segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Obrigado, Fenômeno!


Decidi me pronunciar. Normalmente não escrevo muito sobre futebol, embora algumas vezes eu acredite que deveria. Mas, na maior parte do tempo, prefiro ter o futebol, a escrever sobre ele. E tenho. Ele vive em todas as partes da minha vida. Na minha cabeça, que toda quarta, mesmo que seja apenas um jogo do Paulistinha, me vejo pensando em como será. Na minha casa, com camisas e bandeiras, ora bem guardadas, ora jogadas em cima de algum móvel, e até autógrafos coletados na infância ocupam alguma gaveta do meu escritório. No meu dia a dia, em que invariavelmente converso sobre o assunto, como se falasse de algo determinante para minha existência.
Ao chegar ao Pacaembu em um domingo à tarde - cerimônia religiosa que tenho executado desde a infância e que Fielzão nenhum vai substituir - me sinto como chegando na casa de parentes muito queridos. Invariavelmente chego mais cedo, procuro um lugar com sol na Pça. Charles Miller e abro uma cerveja. Sentado, não me preocupo em esperar uma oportunidade para conversar. É só sentar e falar com quem estiver ao lado. O amor não tem barreiras. E, ali, todos amam e falam sobre seu amor.
Por isso, com meus ídolos, construo uma relação que é de amizade profunda, embora eles não me conheçam. Quando Ronaldo chegou ao meu Corinthians - que também pertence a outros 30 milhões, que não se incomodam de dividir a paixão - foi uma situação das mais felizes.
O admirava até mais do que Romário, sem que exista uma explicação exata para isso. Era um cara que, quando eu era adolescente, me fazia acompanhar as notícias do sonolento campeonato holandês, bastante inacessível em tempos que TV a cabo era apenas um luxo. Esperava sempre que na Band, à epoca conhecida como o "canal do esporte", mostrassem alguma jogada do moleque que fez um gol esquisito ainda no Cruzeiro, ao pegar a bola que repousava ao lado das mãos da lenda Rodolfo Rodrigues, que defendia a meta do Bahia. Hoje Rodolfo ainda é uma lenda, mas a maioria dos novos já não o conhece. Isso não acontecerá com Ronaldo, que é um Fenômeno, e será assunto sempre, tema de especiais... Mas, de volta ao campeonato holandês, por mais que eu esperasse algo, era sempre a mesma coisa, o mesmo gol de letra no PSV que passava na TV por aqui.
Mas meus problemas acabaram quando, por R$ 20 milhões de dólares, Ronaldinho foi para o Barcelona. Legal, agora era só ligar a TV e assistir às transmissões do campeonato espanhol, que tinha entrado na grade da Band no lugar do Italiano. E o que acontecia nas manhãs de domingo era pura magia. Ele passava entre dois zagueiros como se fosse o clássico exercício com cones. A marcação é frágil, diziam. Mas apenas ele fazia aquilo. Era uma sequência inacreditável de gols em que ele driblava o goleiro. Era um fenômeno, de fato, embora ainda não atendesse por essa alcunha. Nessa época, logo depois do jogo da manhã, era hora de ir ao parque jogar bola também. E todos tentavam imitar os dribles do dentuço. Não era fácil.
E lá se foi Ronaldo para a Inter de Milão e lá fui eu de volta às transmissões do campeonato italiano. E a rotina de deixar goleiros sentados continuava. E então veio o reconhecimento do que era óbvio. As arrancadas impressionavam a todos e Ronaldinho não virou Ronaldo. Virou Fenômeno, agora como nome de batismo. Se hoje ele "morreu pela primeira vez", ali ele foi batizado pela segunda.
E, claro, a Seleção estava sempre presente. Convulsão e derrota em 1998, contusão, cirurgia e, em 2002, me lembro de estar mais ansioso por ver Ronaldo em campo do que pela Copa em si. E isso é estranho, pois, durante a Copa, assisto até Irã contra EUA. Fico maluco. E vibrei com a Copa de Ronaldo, que também foi de Rivaldo. Mas, por merecimento, é de Ronaldo.
Em 2006, era atacado por alguns por defender o gordinho, que, diferente dos magrinhos, foi o único que evoluiu na competição. Começou parado e terminou correndo, com três gols. Outros, começaram parados, mesmo magros, e terminaram prostrados. E não estou falando da meia do Roberto Carlos.
E lá vai Ronaldo ao Milan. E lá vou eu acompanhar Ronaldo. Alguns diziam que ele não era o mesmo. E ele balançava e marcava gols, menos que no Barcelona, mas nem tão poucos assim. Inclusive um de fora da área, no clássico contra a Inter. Até o joelho estourar, dessa vez o esquerdo.
E ele se arrebenta de novo. E de novo ressurge. Primeiro em situações constrangedoras, como em fotos sem camisa e sem forma física em iates e o tal escândalo com travestis no Rio de Janeiro. Depois treinando no Flamengo. E, por fim, no meu Corinthians. Nesse dia, enquanto todos falavam "isso não vai dar em nada", eu só lembrava de, em 1996, apenas sonhar quando Chico Lang - no então cômico "Mesa Redonda", na época comandado por Roberto Avallone - revelou uma "falsa bomba": o Timão queria contratar o Ronaldinho. Lógico que era delírio de Lang, que, aliás, desde sempre só delira. Mas não é que sonhos se concretizam? De maneiras estranhas, é verdade. Mas se concretizam.
E, como em um roteiro de cinema, Ronaldo estreia contra o Itumbiara de maneira discreta. Não seria apropriado marcar o primeiro gol sem a Fiel. Tinha que ser apenas o prólogo de um livro envolvente. Melhor seria marcar com a torcida do lado. E se fosse contra o Palmeiras? E se fosse no último minuto? E se fosse de cabeça, algo raro para ele? E se fosse para impedir a derrota para o rival? E se fosse para comemorar escalando o alambrado e indo para cima da torcida, em vez de apenas levantar o dedo e correr, como sempre fazia? Seria pedir demais para um mortal. Precisaria de um roteirista e atores bem ensaiados. Ou precisaria apenas que o pedido fosse feito para alguém destinado a momentos inacreditáveis. E foi assim que, em 2009, no dia 8 de março (por acaso, meu aniversário), Fenômeno correu para a Fiel e derrubou o alambrado na comemoração de seu gol de cabeça, nos acréscimos do clássico contra o Palmeiras. Antes, tinha mandado um chute da intermediária no travessão que, se entrasse, estragaria o roteiro. E, por isso, alguém mais forte não deixou entrar. Obrigado, Deus.
Nesse dia tive certeza. Ronaldo não passaria em branco no Corinthians. E, como já agradeci das arquibancadas, agradeço também aqui: obrigado Fenômeno. Você ter usado a camisa do Corinthians é um orgulho para mim e para outros milhões, que gostariam de ver você subir o túnel do Pacaembu por muitos anos seguidos. Infelizmente não dá, mas está na memória. Quem viu, viu. Eu vi e como gritei. Obrigado!